27 agosto 2010

Sinta-se

Ao som de Please, Don’t Go - Barcelona.

Veja, olhe o presente que eu te dei. Sinta. Apenas sinta. Te fiz com uma característica única que talvez você nunca consiga manejar. Possivelmente você não saberá controlá-la, quando a terá, quando quiser parar de tê-la… Você não precisa saber dessas coisas, já disse. Basta sentir. E sabe por que não te dei o controle disso? Para te surpreender! Quando você menos esperar, ali estarei, não como pessoa, não em carne. Em alma. Porque sabes como ninguém que a alma está em todos os lugares. Posso estar no vento, em uma ou em todas as gotas de chuva, em uma ou em todas as gotas de suas lágrimas; posso ser árvore, troncos, terra. Pássaros, nuvens, ou aquele tom alaranjado do sol que acabou de encontrar sua pele. Era eu. Enquanto eu te deixava atordoado em emoções que nem sabes distinguir, pessoas ao seu redor continuavam suas vidas. E eu te fiz pensar nisso, te fiz ver o quão grande é o mundo, e o quanto valorizas as pequenas coisas. Sei que consegui. Você olhando pela janela é a coisa mais linda que eu posso ver. Te vejo enquanto você vê os outros. Sei que você queria poder gritar, abraçar todo um mundo que te parece estar tão longe, mesmo a 5 metros dos seus olhos, mas calma. Você é único, se abrace primeiro. Você é todos, um pedaço de cada um. Nunca mude isso. Não permita se julgar porque eu deixo você ser e fazer o que quiser, mesmo que sozinho. Você pode não sentir, mas nós dois sabemos que sentir é a única coisa que você deve fazer.

14 julho 2010

Memória.


Odeio despedidas. Se bem que essa caminha para não ser uma. Queria apenas escrever minhas palavras de sempre, aquelas que falam mais que minha voz. As palavras, que vez ou outra me dizem que as domino bem. Não sei direito, mas tenho uma puta familiaridade com essas coisinhas que juntas me fazem sentir melhor.
Hoje ainda voltarei para minha cidade natal. Aquela que eu sempre critico, seja pelas pessoas de cabeça fechada, seja pela falta do que se fazer por lá. Mas é de lá que eu vim. É lá que às vezes preciso voltar. Faz um ano que não piso em chão familiar e agora isso é mais que necessidade, mesmo eu ainda me perguntando se é o melhor que tenho a fazer. Mas a saudade é maior. A saudade de poder andar por cada uma daquelas ruas que, sim, contam muitas histórias de mim. Dos meus amigos. Dos meus pais. Aquela saudade de chegar na casa dos avós, abrir o portão, aquele código de tocar a campainha e gritar “vóóó”, para que ela possa destrancar a porta com segurança e finalmente vir te abraçar, enquanto você sente o cheiro do café que só as avós sabem fazer. Sinto falta de poder sair à noite, de rever pessoas incríveis que voltaram ali pelo mesmo motivo talvez. Falta do frio da madrugada, do silêncio que não é igual ao de nenhum outro lugar. E confessar que na minha atual conjuntura, estou sentindo saudades até de ter que visitar as tias que se trancam por medo de uma violência infundada, tias as quais nunca entendi. “Que doença é essa que ela diz que tem, mãe? Que paranóia é essa de não deixar ninguém a abraçar?”
O fato é que como eu disse, aquela merda de cidade ainda vive dentro de mim, por mais que não seja a mesma do meu tempo. Essa não é a mesma praça que eu brincava, aquela não é a mesma calçada que um dia eu desenhei. Mas, por incrível que pareça, as árvores ainda são as mesmas, e eu ainda carrego comigo essa minha espécie de energia natural. As árvores são as únicas que não mudaram, que ainda têm as mesmas histórias para contar.
Eu preciso voltar. Nos últimos doze meses fiz de tudo aqui. Lutei, briguei. Pensei muito, agi pouco. Perdi oportunidades que julgava ter tido e que hoje não passam de especulações. Menti, desmenti, menti de novo. Falei a verdade para quem julguei necessário contar. Arrumei estágio, tive medo por ter uma jornada de 16 horas fora de casa. Juntei meu dinheiro e fiz uma das coisas que eu sempre sonhei: viajei, fui viver. E com a melhor companhia que eu poderia ter. Com o único amigo que eu tenho. Não se sintam menosprezados, mas aqui a palavra “amigo” vem com seu significado mais original possível. Meu único amigo, meu melhor amigo. Uma pessoa que mesmo mais nova, às vezes me assusta com seus olhos de ancião. Vivemos muita coisa juntos, acreditem. E vivemos juntos muita coisa de cada um de nós. Vivemos muitos dias nascendo, e eram nesses momentos que eu tinha a total certeza que existiam apenas duas pessoas no mundo pensando e fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo.
E foi por essa amizade que passei meus últimos seis meses com os pensamentos a mil. É a única pessoa que me ouve por inteiro e, entendam, essa pessoa mereceria um prêmio por ouvir sempre a mesma besteira aqui. Eu sei que ela abdicaria de qualquer prêmio por isso porque ela gostava de me ouvir. Mas isso não diminui a minha gratidão por toda essa paciência. Sabemos que sempre somos recíprocos. Nos damos tapas na cara, nos abraçamos. Mas sempre voltaremos ao mesmo lugar, as mesmas tardes de diálogos banais com sucos de laranja e chocolates gelados. É o que eu mais sentirei falta. Não existe saudade alguma que supere a saudade que vou sentir de passar mais tardes assim, enquanto eu estiver longe daqui. Posso estar exagerando, de princípio, vinte dias não são nada. Para mim, são.
Preciso ir. Preciso reaprender a demonstrar meus interesses e ideais. É algo tão simples e ao mesmo tempo tão incomum… Preciso me permitir voltar. Mas antes de tudo, preciso da coragem e segurança que eu sempre esqueço de guardar. No meu quarto tenho isso por todos os lados, mas a bagunça é tanta que sempre desisto de procurar. É a verdade, é isso que acontece. Mas, uma vez que eu sei meu ponto fraco, não posso mais me permitir errar.
Eu amo tudo isso, eu amo todo mundo e eu amo todo lugar. De formas diferentes, mas são as únicas coisas que eu eu tenho certeza que vou amar.

17 junho 2010

Como cães e gatos.

Ao som de We Have A Map Of The Piano - Múm - Música para embalar relacionamentos com gatos.

Analisando meus animais de estimação, algo interessante me veio à cabeça: eles são como as personalidades das pessoas em seus relacionamentos. Assim, os dividi em duas linhas de pensamento. Os cães e os gatos.
Meu hamster não entrou nisso porque ele se assemelharia mais a um filho, por só comer, dormir e, quando acordado, passar o dia brincando em sua rodinha. Peixes e pintinhos (sim, no interior você ganha pintinhos no dia das crianças na escola) também estão fora porque se você tem mais de 18 anos e ainda cultiva um desses animais, você teve problemas na sua infância.

Relacionamento com "cães"
Todo mundo apóia quando você diz que vai ter um, todo mundo acha uma gracinha e se já não teve, sonha em um dia ter. É o mais fácil de lidar, apesar de que no início pode parecer meio chato. Seja pela alegria em abundância, seja bela bagunça que causa enquanto vocês não se acostumam um com o outro.
Depois você logo percebe que está se relacionando com um cão quando ele faz alguma coisa muito ruim para você. Você briga a primeira vez e ele vem com o rabo entre as pernas e aquela cara safada de que te ama até o fim dos tempos. Basta então você descer um tom da sua voz que ele já abana o rabo e te enche de lambidas.
Mas cão que é cão sempre faz de novo, e de novo, e de novo aquilo que você cansou de discutir com ele. E a cara safada de quem te ama até o fim dos tempos sempre volta, junto com o rabo abanando.
É o que mais te domina, psicologicamente falando. Seja pela cara safada de quem te ama até o fim dos tempos (acredite, ela sempre é recorrente em momentos de brigas e tensões), seja por querer brincar e se divertir com você justo naquele momento que você só quer ficar sozinho em casa.
Um cão sempre vai correr para seus braços (ou suas pernas, a comparação aqui serve para o animal e para os humanos) logo que te ouvir colocando as chaves na fechadura da porta para entrar. Você entra e quase é derrubado por aquele ser que vem do lugar mais inesperado do mundo, correndo e ávido por um abraço.
Se você o chama, no meio do nome lá já estará o ser, riste, em pé, olhando e sorrindo pra você.
Sempre quer passear, sem horários certos, de manhã, início daquela tarde em que você tem que sair corrido de casa pra trabalhar, ou 4 horas da manhã, quando você sem querer menciona que a madrugada tá agradabilíssima.
É o mais fácil de conseguir, todo mundo sempre tem boas recordações e referências de onde encontrar uma espécie. Apesar de preferirem os de raça nobre, todo mundo um dia já teve um bom e velho vira-lata pra chamar de seu.
É o mais difícil de se desgarrar porque vai dar aquele aperto no coração de vê-lo indo embora, com aqueles olhinhos melancólicos e que te transmitem um "eu nunca vou esquecer nossos momentos felizes", mas espera só duas horinhas com um novo dono pra você perceber que nada disso é verdade!

Relacionamento com "gatos"
Todo mundo despreza, diz que é difícil de lidar e que ninguém sabe muito bem como tratar. Com gatos não se tem meio termo: Alguns têm receio por se tratar de um animal muito calado. Outros preferem justamente isso.
Não fala muito, não late toda hora, fica ali no mesmo canto a noite toda demonstrando toda sua "abundante" sentimentalidade com o olhar e com a cabeça virando para o lado e te ignorando na maior cara de pau. Aliás, se tem uma coisa que gatos sabem fazer como ninguém é isso: aquele olhar indiferente e aquele ar de desdém.
Ao contrário dos cães, a adaptação aqui é demorada. Tem toda uma troca de olhares. Você vê uma vez, se interessa e já leva pra casa. De primeira, nada acontece, ele vai olhar todo o ambiente, vai sentar em todos os locais, conhecerá todo o território primeiro. E dará um jeito de ir embora sem te dar tchau.
Mas não se desespere. Dê a ele um dia apenas. Se ele não voltar, ok. Mas se voltar, você ganhou mais que uma companhia. Você ganhou um aliado, um ser que entenderá todos seus gestos e todas as suas atitudes, mesmo sem precisar abrir a boca para te falar isso.
Não gosta de muito contato, não gosta de pegação, não gosta de nenhuma demonstração calorosa de afeto. Quer dizer, gosta sim, mas fará de tudo pra te provar o contrário e não ceder.
Adora dominar as situações. E continua sempre a te ignorar. Mesmo te amando com todas as forças você sabe que corre o risco de chegar em casa e não encontrá-lo, mas que quando você menos espera, ele surge pela janela e passa a demonstrar carinho por você da forma mais sublime possível. Sabe aquela onda de "não sei, mas hoje me deu uma saudade de ficar com você sem falar nada..."? Pois então.
Dormem o dia inteiro. E quando acordam já querem sair para se divertir. SOZINHOS. Ele vai dizer que quer encontrar os amigos da rua (ou os amigos que fez na rua), daquele tempo das madrugadas sem lei. Podem cair na besteira de te trocar por algum desses amigos dele de rua. Mas se você fizer o mesmo e o trocar por algum dos seus amigos de balada, sem discutir ele vai voltar pra você como o ser mais necessitado de carinho do mundo, ronronando "eu te adoro" enquanto caminha pelo seu corpo inerte e indiferente (invertemos as situações) no sofá.
Em algum momento você se verá completamente apaixonado por um gato. Mas terá medo que isso nunca seja tão recíproco quanto você gostaria.
Um dia você vai explodir com isso tudo, com essa falta de demonstração de afeto, com essa mania de sair escondido na calada da noite. Mas você nunca se livrará dele com facilidade. Na hora de botá-lo pra fora, ele não vai sair por conta própria, vai se esconder em algum canto da casa. Se você decidir fazer isso da forma mais definitiva possível, pegando pelo braço, acredite: sairá arranhado, o deixará continuar na sua vida mas vai ficar pelo menos duas horas sem chegar nem perto. Mas depois, vocês dois se olharão e verão que apesar de tudo, se amam mutuamente, cada um do seu jeito.
Segredo: todo gato, por mais esnobe e indiferente que seja, tem o seu ponto fraco. Aquele carinho fofo no cotovelo esquerdo que o desmonta, ou aquele pegar no colo e passar hoooras fazendo cafuné. Em resposta, ouvirá gemidos baixos carregados de prazer.
Não, isso não é uma descrição de orgasmo.

E eu prefiro os gatos. Mil vezes.

18 maio 2010

Tua estrada.

Ao som de 30:55 - Oláfur Arnalds.

Você tem uma estrada. Um caminho a percorrer. Mas tudo se desenvolve e evolui. Duplicaram esse caminho. E quando você menos espera, tem ali, ao seu lado uma via de mão dupla. Você tem seu destino e uma rota traçada da qual só espera chegar. A ansiedade logo à frente, em mais uma curva. São as mesmas curvas que você está cansado de ver passar, mas que sempre te enchem de esperança, como se depois terias o que tanto esperas: a visão, mesmo que distante, de onde você quer chegar. Mas aí você se lembra que em vias duplas, com a mesma precaução, alguém faz o caminho inverso. Inverso para você. Alguém tem os mesmos desejos, os mesmos objetivos a cumprir, a mesma pressa de chegar. São viagens corriqueiras e sempre em algum ponto da estrada vocês vão se encontrar. Você vai, e vê voltar. Reconhece o carro que te traz tantas lembranças. Intensas. E nesse momento percebe que deveria pegar o próximo retorno, ainda a ponto de seguir aquele carro e ir atrás, seguindo, não sabendo ao certo para onde ele irá te levar. Mas você confia. E por um momento, às vezes sem pensar, acredita que o destino inverso lhe reserva surpresas melhores que o seu. Ainda sem pensar você dirige. A paisagem não lhe faz diferença, seu objetivo é apenas seguir. Ser guiado pelos passos de alguém que assim como você, tem lugar e horário certo para chegar a algum lugar. E você abdica das suas certezas para se contentar com um punhado de agitação, um bocado de curiosidade. Sempre que você segue caminhos, sabes bem o que vai encontrar. O péssimo hábito de seguir. Não para ter ou fazer aquilo que o outro tem ou faz, mas na esperança de ser notado, na esperança de que reconheçam seu propósito de ter mudado sua rota apenas para tentar de novo aquilo do qual você escolheu se distanciar. Você volta, vendo à sua frente a mais bela paisagem já criada por alguém. Esquece tudo pelo que passou no lugar anterior, se prometendo que dessa vez fará tudo diferente. Se prometendo que dessa vez tentará um atalho para surpreender e chegar à frente, ainda a tempo de estender os braços e receber com seu tão ensaiado olhar.
A vida é como uma estrada. E por mais que a conheçamos de cor, todos os seus detalhes, todas as suas peculiaridades, ainda teimamos em nos deixar voltar. Ainda acreditamos que como em um passe de mágica, o simples fato de você ter saído e voltado logo depois justifique um destino diferente daquele que desistiras dias atrás, quando achou que novos ares era o que lhe faria bem. Você acredita que as mesmas pessoas, as mesmas ruas, as mesmas luzes acesas agora estarão diferentes pelo simples fato de que o hoje nunca mais será o ontem. Mas você nunca lembra que o hoje também não será o amanhã. Dúvida: voltar ou ir em frente? Se perder novamente ou aprender a caminhar?

25 março 2010

O pintor de quadros.

Ao som de Olsen Olsen - Sigur Rós.

Em algum lugar neste mundo existia uma cidade. E em meio a milhões, existia uma única pessoa capaz de sentir o que ninguém conseguia sentir. Essa pessoa era especial, trazia como bagagem a experimentação de duas vidas, cada uma separada por fases que vão e voltam, derramando pingos de passado nos olhos do futuro. Apesar de tudo, era uma pessoa capaz de sonhar. Talvez isso a fizesse diferente. Seus sonhos eram só seus, mesmo essa pessoa querendo que esses sonhos se exteriorizassem e atingissem um único coração, que poderia ser outro amanhã, e depois outro, e mais outro. Naquele momento tudo estava voltado para um único lugar, um mesmo lugar.
Ele tinha amigos, confidentes, admiradores. Só que ele também tinha uma cabeça que lhe mostrava a outra face da cidade, aquela de pessoas frias e esquisitas. Ele não podia entender por que todos eram diferentes, por que todos agiam pelos seus próprios interesses. Por que não viam o mundo com seus olhos de sonhador? Foi quando se isolou. E se trancou. Dentro de um corpo tudo estava guardado, sem saída, sem lugar para respirar. Não se importava, tudo estava bem.
Ele tinha dons. Fotografava palavras em sua mente e pintava quadros com o olhar. Como todo artista, sua observação se tornava aguçada nos momentos de inspiração. E foi em um deles que tudo aconteceu. Era madrugada e no horizonte nuvens tocavam o chão. Mudo, olhou para o lado e começou a conversar. Sim, não tinha ninguém ali, mas ele conseguia perceber ele próprio ali do lado, olhando e conversando, trançando as mesmas palavras mudas daquele dialeto que ele conseguiu criar.
Seguiu-se assim por alguns minutos. Ele contava sua vida para o seu outro eu, que pacientemente ouvia tudo, confirmando com sorrisos seu interesse de estar naquele lugar. Riram, choraram, se abraçaram e trocaram juras de amor. Seria egoísmo da sua parte amar a si mesmo? Mas ele sentia que sua falta de limites preenchia o espaço da desconfiança e que seu coração não lhe deixava enganar: estava diante da pessoa mais sincera do mundo.
Vejam só: mais um dia começou a nascer. Estava na hora daquele encontro acabar. Pediu licença para fotografar as palavras da despedida, enquanto pintava mais uma vez com os olhos, agora todo o cenário do céu a clarear. Quando terminou, ambos estavam sentados e foi assim que os dois voltaram a ser um. O seu eu lhe ofereçera o colo, onde ele deitou a cabeça, encolheu os pés e sentiu firme os braços que lhe trouxeram calma. Seu eu sorriu, inclinou a cabeça e se moldou à parede que servia de encosto desde então. Ambos dormiram. Foi a última vez. Quando acordar, ele terá consigo o coração daquele ser que novamente lhe permitira sonhar.