14 janeiro 2010

A ferramenta.

E por passar décadas se dizendo independente, ele agora consegue enxergar tudo com a clareza que lhe faltava anos atrás. A independência é uma ferramenta. E como toda ferramenta, necessita de prática para seu bom manuseio. Praticava tanto que a usava de forma intuitiva, enquanto resolvia suas outras funções denominadas vitais. Sua ferramenta estava velha, começou a apresentar falhas, pequenas falhas, mas ainda conseguia resolver tudo com praticamente a mesma destreza de sempre. Ele acha (porque não consegue dar outra explicação) que perceberam e por isso lhe deram uma nova no Natal.
E é como todos já experimentaram: por mais que você esteja acostumado a utilizar uma ferramenta qualquer - por mais velha que ela esteja - quando você ganha uma nova, leva um tempo enorme para se acostumar, para amaciá-la, deixá-la do seu jeito. Sua nova ferramenta sequer veio com manual.
Acostumar-se para ele requer mais cuidados do que as pessoas imaginam. Ao mesmo tempo em que se deslumbra com o novo, está ligado ao antigo. E por estar com falta de tempo de praticar, o novo, o antigo, o agora se fundem. Em sua cabeça todos esses momentos estão misturados a ponto de atingirem a sua ferramenta principal: o olhar.
Ele não está conseguindo encarar como sempre. Ele tem vergonha de olhar porque se sentirá extremamente desconfortável caso alguém perceba sua desastrosa tentativa de se acostumar com as novidades. Os anos de prática pelo menos ainda lhe servem de preparo, ele sabe lidar com isso. O problema é que a nova ferramenta foi um presente de um grande amigo e ele se sente no dever de usar todas as suas funções.
E assim segue, decifrando caminhos por onde já se imaginou passando mas que nunca teve oportunidades de passar. Ou nunca teve a ferramenta certa para isso. Ela também abre portas, descobriu. Mas é tudo tão diferente e ao mesmo tempo muito igual a tudo que ele já viveu... Na verdade ele passou anos ensaiando o que hoje vê à sua frente. E de que adiantam os ensaios se improvisos funcionam melhor e lhe dão a carga emotiva que supostamente precisa? Novas ferramentas trazem a jovialidade de uma mente carregada de "por quês?".
Em meio a tantas dúvidas e confusões, buscou na caixa do produto alguma informação extra que pudesse lhe redirecionar. Manuseando-a, percebeu uma pequena frase quase que escondida na lateral da embalagem. Pôde ler e então encontrou o que queria: "Liberdade é parte integrante deste kit. Não pode ser vendida separadamente".