05 junho 2009

Saudade.

Ao som de Andvari - Sigur Ròs.

Vez ou outra me ocorre um forte sentimento nostálgico que não sei explicar ao certo. Vou tentar hoje, porque ele resolveu aparecer mais uma vez. E quando ele aparece tenho vontade de rir, chorar, abraçar... Mas uma vontade sempre prevalece, a de andar sem rumo. Acontece que é algo mágico: desde pequeno tenho em mente uma imagem de alguma cidade. O legal é que não sei qual é essa cidade, não sei se foi alguma foto ou imagem que vi, muito menos se algum dia estive em um local assim. Me vem à cabeça uma cidade com ruas de pedra, típica de interior. As casas com telhas de barro, daquelas modeladas há velhos tempos nas coxas das escravas. Entre as casas, árvores, muitas árvores. Palmeiras altas, brincando com um céu de fim de tarde. E junto com todos esses elementos vem outra nostalgia mais forte, da casa da minha avó durante vários finais de tarde felizes, em que eu a via preparar o jantar. Junto agora aos meus sentimentos a sinestesia: sinto o gosto da comida, vejo o vapor saindo das panelas e ouço as madeiras estalando no fogão à lenha. A luz é fraca, mas luz o suficiente para tornar todo o ambiente amarelado. E o rádio toca músicas características do sertanejo raiz. Como sempre acontece nessa minha nostalgia, a imagem inicial da cidade se transforma em uma esquina da minha cidade natal. Bem na rua da casa que desde pequeno eu quero comprar. Engraçado isso mas eu nunca esqueci a escada de madeira daquela casa, do chão de tacos, do pêndulo eterno do relógio que ficava em cima da geladeira... Por muitos anos foi a casa de um tio meu. Quando me lembro dessa casa, vêm logo em seguida os Natais da infância. Eu brincava com a árvore de natal da casa desse meu tio. E adorava andar pela cidade iluminada, parando na praça central abaixo da gigante árvore de luzes que inúmeras vezes povoou meus fins de ano. Eu sinto meu cabelo molhado, de menino que acabou de sair do banho e se arrumou para comemorar as festividades com a família. Era sempre o mesmo cronograma, as duas casas, as duas avós. Cada uma com seu jeito, o seu lugar especial. Uma tem vários netos. A outra tinha eu e meu irmão e ela cuidava da gente como se fôssemos muitos. Ela já se foi, mas me abraça agora, nesse exato momento. Interessante como uma imagem que não consigo saber se é verdadeira, se foi vivida, ou se faz parte do meu imaginário me leva a retornar em momentos ímpares da minha vida, como brincar abaixo da ponte próxima à casa de outro tio, como chegar perto das tais luzes de Natal e sentir o calor emanado por elas, como dormir enquanto minha madrinha me abraçava, como quando eu ria nos meus primeiros meses de vida enquanto meu pai brincava comigo. Quem disse que homem não chora não pode dizer que já sentiu saudades. Chorei escrevendo esse texto e nunca me envergonharia de contar isso. Aliás é a segunda vez que choro escrevendo um texto que me traz lembranças antigas. E o choro contrasta com meus sorrisos na garupa da bicicleta do meu avô, quando ele me levava para seu trabalho, parava no mesmo bar, comprava um guaraná pra eu comer com os biscoitos que minha avó preparava. Ele me deixava vê-lo trabalhar e se orgulhava disso. Ele de certa forma passava adiante o que a vida lhe ensinou. E mesmo que eu não tenha seguido o seu caminho, nunca vou me esquecer de momentos como esses.

"A imagem inicial da cidade se transforma em uma esquina da minha cidade natal. Bem na rua da casa que desde pequeno eu quero comprar."